Texto de Ricardo Machado
Respeito a meu sangue
Isso aconteceu num dia 31 de outubro de qualquer ano desses...
Eu vi quando
ele colocou o pé, e de certa forma forçou o para-choque do carro, como se
tentasse arrancá-lo. Meu pai desceu as escadas e foi até o carro, olhou para o
rapaz e lhe pediu que, por favor, tirasse o pé do para-choque, pois estava um
pouco frágil, sim o carro era velho, mas meu pai se esforçava para mantê-lo
conservado.
De longe
escutei a voz arrastada do rapaz, possivelmente drogado e pior, querendo
“aparecer” para os demais vizinhos, inclusive a namorada.
- O que é
que você quer coroa? Essa porra de carro velho... Você não manda em nada aqui,
quem manda aqui é “nóis”.
Desci as
escadas nervoso e fiquei ainda mais descontrolado quando o vi empurrar meu pai, que quase caiu.
- Não toque
nele, ele te pediu com educação. E você está errado, o carro é dele, não é
público.
Olhei
rapidamente e vi a expressão de meu pai expressando humilhação e vergonha de
seu filho estranho ali se expondo, ou pior, o expondo.
- Vai se
meter seu viado? – tive que ouvir.
- O que é que
você quer? – provoquei.
Precisava
que ele reagisse. A namorada dele sorria de maneira sádica, pois já sabia no
aquilo ia dar. Os vizinhos sorriam, me detestavam e queria me ver por baixo.
- O que
VOCÊ, quer? – provoquei novamente.
A reação
dele foi um soco no meu rosto. Ahh, era tudo o que eu precisava.
O sangue
escorreu em minha mão direita. Era bastante sangue.
Num só
movimento, joguei todo aquele sangue escuro, quase preto em meu agressor.
Ninguém
esperava aquilo. A namoradinha parou de sorrir. Os vizinhos pararam de gritar.
O agressor
sem ação, ficou ali imóvel. Parado, olhava para si próprio como se pressentisse
que algo de muito grave estivesse prestes a acontecer. Rosto, braços, peito,
pernas cobertos de sangue que parecia ter dobrado a quantidade, parecia que lhe
havia despejado um balde. Eu somente sorria, sentia enorme prazer.
Ainda
sorrindo, ajudei meu pai a se levantar com minha mão esquerda, que estava
limpa.
Cuspo no
chão e digo a frase derradeira.
- A partir
de agora, MORRA. – não digo, amaldiçoo.
“Era isso!”
– o agressor pensou. Tem algo errado nesse sangue escuro.
Caminhei
tranquilamente para casa, amparando meu pai. Minha mão direita estava limpa.
Limpa como se já a houvesse lavado. Meu pai observou, mas nada comentou.
No dia
seguinte, uma manhã de sol inspiradora, ouvi uma gritaria que, vergonhosamente,
me fez sorrir. Desci para ver do que se tratava. O agressor do dia anterior, estava
todo ferido. Rosto, braços, peito, pernas. Meu sangue sujo e demoníaco fez o
que eu não fiz. Vi quando ele era carregado, tremia em febre, não conseguia
falar nenhuma só palavra, só gemia. O corpo ferido, fedia a podre.
Meu pai
observava de longe enquanto eu caminhava para próximo do carro que daria
socorro. Todos me olhavam, agora com medo. Cheguei mais perto do carro e disse
baixinho...
- Quem manda
aqui sou eu!
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